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Suspensão do CDC na Copa é bola fora para o consumidor

 Fifa pediu ao governo brasileiro que, durante o período de realização da Copa do Mundo no país, em 2014, suspendesse o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso e o Estatuto do Torcedor. A ideia da entidade que organiza o Mundial de futebol era ter liberdade absoluta para decidir o preço dos ingressos, não disponibilizar meia entrada para idosos e estudantes e não ter que eventualmente indenizar consumidores por eventos cancelados ou adiados. O pedido aconteceu dentro do contexto de debate para a formatação do projeto da Lei Geral da Copa.

Retrocesso para os direitos do consumidor, suspensão do CDC agride as leis brasileiras.Retrocesso para os direitos do consumidor, suspensão do CDC agride as leis brasileiras.O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou carta à presidente da República, Dilma Rousseff, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso e ao ministro dos Esportes, Orlando Silva Junior, a respeito do envio do projeto que prevê restrição de direitos sociais, especialmente de direitos dos consumidores, em virtude da realização da Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil.

As últimas declarações públicas do Governo apontam para o afastamento de direitos historicamente conquistados, como o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei 10.671-2003), as leis estaduais de meia-entrada para estudantes e, especialmente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078/90) durante o ano de realização da Copa. Segundo o Idec, a  tentativa de “invalidação” do CDC é ainda mais preocupante, pois se dá através do próprio texto do PL 2.330/11, enviado ao Congresso no mês de setembro.

Estatuto do Idoso eleis estaduais de meia entrada são principais alvo da FIFA.Estatuto do Idoso eleis estaduais de meia entrada são principais alvo da FIFA.Retrocesso no direito do consumidor

O especialista em direito do consumidor, Bernard Netto, acredita que sancionar tal pedido seria, com efeito, um regresso do Estado Democrático de Direito; uma afronta aos princípios da Ordem Constitucional.
“Há opiniões de todos os lados acerca do proveito econômico e financeiro que a Copa trará ao país. Não é ocasião para analisarmos este embate. Todavia, é importante lembrar que, ainda que o Brasil tenha manifestado interesse em sediar a Copa, foi a FIFA quem qualificou e escolheu o país para a realização do evento”, diz.

Segundo o especialista, o pedido da FIFA vai contra os preceitos mais fundamentais do Direito brasileiro, tais como:

Soberania Nacional – De forma singela, é a condição de liberdade alcançada pelo país em relação a outros países ou a poderes internos. Significa que na área geográfica pertencente ao Brasil quem manda é o Brasil, por meio de seus Poderes constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário), e ninguém mais. A principal forma de manifestação da Soberania é a formulação, adoção e manutenção de um conjunto de regras próprio – um Direito próprio. Ora, como dito, foi a FIFA que escolheu o Brasil para aqui sediar o campeonato. O CDC é lei com vigência há mais de 20 anos. Não se pode admitir que uma lei de tal importância tenha passado despercebida. Assim, dados os investimentos que têm sido realizados em preparação para a Copa, um “pedido” como o agora formulado pela organizadora do evento é muito mais do que uma simples solicitação: apresenta-se quase como uma condição. Fere, portanto, a soberania nacional ao pretender adequar o Direito nacional aos seus particulares interesses. É, na verdade, uma tentativa de negociar com algo inegociável.

Segurança Jurídica – É o princípio que determina que as regras perduram no tempo. Assim, uma lei, via de regra, continuará vigendo por prazo indeterminado – até que outra lei a revogue. Cientes deste princípio as pessoas formam a justa expectativa de que as relações jurídicas continuarão amparadas pelo Direito. Suspender a vigência de uma lei, durante um determinado período, é, pois, total desconsideração a este princípio. Lembra, sem dúvidas, os períodos de exceção da ditadura. Ademais, a defesa do consumidor é uma das garantias fundamentais, o que significa que nada (emenda constituicional, lei, decreto, medida provisória, etc), durante a vigência da atual Constituição, poderá abolí-la.

Igualdade – É curioso pensar como se daria esta requerida “suspensão”. Seria uma lei dizendo “a FIFA não se aplica as regras de proteção ao consumidor”? Se fosse assim, já começaria errado. A lei deve ser direcionada a toda coletividade; deve ser impessoal. Não se pode aceitar uma lei que exclua uma pessoa específica da necessidade de obedecer a uma obrigação que a todos é comum. Seria desigual. Por outro lado, caso a lei fosse ampla (“durante o período da Copa não se aplica o CDC”), estaria instalado o caos no Brasil. Toda e qualquer relação de consumo estaria sem um Direito a lhe amparar. Restaurantes, hotéis, crianças na escola, nos hospitais, parques de diversão, supermercados, farmácias… Todos agindo sem qualquer regra! Um colapso.

Aprovação de medida pode significar caos nas relações de consumo.Aprovação de medida pode significar caos nas relações de consumo.Para o advogado, a requerida “suspensão” do CDC não encontra qualquer condição de ser aceita de modo harmônico pelo Direito brasileiro. “Porém, acostumados que estamos com as decisões sem fundamentos e que, nitidamente, destinam-se a satisfação de minorias interessadas, não seria surpreendente que se concretizasse a edição de uma norma neste sentido. Impossível é só o que ainda não foi feito e no Direito nacional há muito pouco que ainda não tenha sido feito”, conclui.

As informações do Idec também apontam que o projeto elenca dispositivos que conflitam diretamente com direitos, garantias e princípios expressamente previstos no CDC. “Sua aprovação, portanto, além de levar a uma norma com significativo potencial de inconstitucionalidade, extrapola a própria lógica de preservação da ética e da boa-fé nas relações de consumo”, complementa Guilherme Varella, advogado do Idec.

De acordo com o órgão, o projeto tal como se encontra, e os recentes apontamentos do Governo Federal sobre a possível flexibilização de direitos sociais para atender à excepcionalidade da Copa significam um retrocesso na defesa dos consumidores brasileiros, há mais de 20 anos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Se isso acontecer, talvez aí esteja a grande herança da Copa ao povo brasileiro: uma infindável quantidade de ações judiciais a serem propostas para abarrotar ainda mais as prateleiras do Judiciário.
http://consumidormoderno.uol.com.br/cdc-codigo-de-defesa-do-consumidor/suspens-o-do-cdc-durante-a-copa-e-bola-fora-para-o-consumidor

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